ENTREVISTAS



Produção de entrevista Arte Estúdio Imaginário

Durante o Verão o AEI entrevistou o ilustrador de carros João Saldanha, entrevista que foi registada em vídeo e cuja transcrição será publicada em breve nesta página (a versão vídeo está já na página correspondente).

Para a produção do registo, visitámos o João no último encontro de automóveis clássicos de Cascais. A fotografia documenta a recolha de imagens nesse dia.

No canto inferior esq. Francisco Lança fotografa João Saldanha


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Henrique Brito: O Caminho da Espada
 
Praticante e professor na Escola de Kendo do Oeste (EKO), que neste momento tem feito os seus treinos no Grupo Recreativo Gonçalvinhense, o mestre Henrique Brito prepara-se para iniciar um novo ano de actividade no Concelho de Mafra. Depois de no passado recente o Arte Estúdio ter visitado uma aula do Henrique, "Kendo ao pormenor", voltámos a visitar os praticantes da EKO, desta vez num treino ao ar livre, e o professor aceitou sentar-se à conversa connosco.

Henrique Brito (direita) orienta mais um treino
José Imaginário (JI): Antes de mais, agradeço teres aceite o nosso convite para conversarmos e peço que expliques o que é o Kendo e qual é a sua origem.


Henrique Brito (HB): O Kendo, ou a origem do Kendo, é o Kenjutsu, uma arte marcial que era praticada pelos samurais, por militares, polícia, guardas...eram todos praticantes de kenjutsu.


Depois, no séc. XIX, início do Séc. XIX, depois do período de Tokugawa, o kenjutsu teve que ter algumas variações, porque os samurais foram proibidos de usar armas. Assim, o Kenjutsu alterou-se para uma forma mais filosófica, que passou a ser o Kendo.


O Ken quer dizer arma, jutsu quer dizer prática, do quer dizer via, caminho. Caminho espiritual ou filosófico. Que tem a ver com o shintoísmo, ou com o shinto, que também pode ser designado de shindo. Por isso, a prática nessa altura, para não ser identificada como uma coisa militar, foi identificada como uma prática mais filosófica. Já era, mas intensificaram mais essa dinâmica. E, daí, nasceu o Kendo de hoje.


Reduziram-se imensas técnicas, tiraram-se partes da técnica de corte e, mesmo algumas áreas do corpo como o caso das pernas, deixaram de poder ser atacadas.


JI: Porquê o Kendo, há quantos anos praticas e começaste a dar aulas? Conta-nos essa história.


HB: O meu início nas artes marciais, é no Karaté. Comecei no Karaté, com 11 anos de idade, vindo do ballet...saí do ballet e entrei nas artes marciais. E já faço karaté há 32 anos. O kendo pratico 16. E porque o mestre Mukai, que era o mestre com quem eu treinava e era o representante do karaté na Europa, era também praticante de Kendo.


A certa altura, eu senti necessidade de entender o porquê do mestre também praticar Kendo. Então comecei com a pratica e realmente todas se enquadram, elas têm dinâmicas muito idênticas e filosofias muito próprias, que se cruzam e que, acho, fazem crescer.


JI: Estivemos a assistir a um treino e uma das coisas que chamou a atenção foi repetirem durante a pratica uma série de expressões. Têm um significado especifico?


HB: Primeiro é preciso recordar o que eu disse ao princípio, que a arte era militar, ou que vem directamente dos campos de batalha...num campo de batalha, ninguém lutava calado. Se imaginarmos, na idade média, uma batalha, não era feita em silêncio.


Mas, esses gritos, ou repetições chamadas Kiai, na prática de treino, a afinar a técnica...dizemos sempre o nome da técnica e isso vai criar um ritmo e uma capacidade de resistência ao exercício, porque, enquanto estamos a fazer o exercício estamos a deitar ar fora e somos obrigados a ter uma respiração correcta. É uma das componentes.


Essa componente da parte respiratória, tem a ver com energia, o empenho que damos à técnica. Cada voz, cada Kiai, é dar o máximo naquela técnica, ser o mais eficaz naquela técnica. A ideia é estar sempre a dar o máximo. E esta energia vem também através da voz.


JI: Para além da componente física, ou da preparação física que o Kendo proporciona, o que é que o Kendo ensina?



HB: O Kendo ensina uma evolução filosófica e espiritual muito intensa. Exactamente por ter essa vertente ligada do Shintoísmo. Que mais tarde se veio a transformar e a ser adaptada em budismo, mas eles são ligeiramente diferentes.


A prática leva a um estado físico de tal forma, que só realmente com capacidade espiritual se consegue suportar esse tipo de treino. Ou seja, e como se costuma dizer, molda o espírito através do corpo. Através da forma física e da exaustão física, nós começamos a atingir patamares espirituais ou filosóficos de treino. E a ideia do Kendo é exactamente essa. É a parte do Do. Através da prática.



JI: Gostava que respondesses a quem possa considerar o Kendo, ou outras artes marciais, actividades violentas.


HB: Violento, a meu ver, são os desportos de combate. Não são as artes marciais. Faz toda a diferença, por ser uma arte, porque é uma coisa que exploramos ao longo da vida, aceitamos o erro de uma forma evolutiva. Todos nós erramos e todos os dias queremos ser melhores.



E os desportos de combate, querem rapidamente o melhor, têm como objectivo ganhar, vencer, ou ter uma medalha...ou seja, nas artes marciais, esta evolução, o ganhar, é ultrapassar os nossos limites. Se isto é violento? Bom, depende da prática e da intensidade da prática que estamos a ter.


Dentro da evolução, existe o respeito pelo próximo, que é algo que se treina muito nas artes marciais, a ética, o respeito, a dedicação...


JI: Apercebi-me dessa noção ao ver o vosso treino. Corrigiste golpes que estavam a ser feitos, no momento do recuo, ou seja, depois do ataque. Disseste que o aluno estava a ser desrespeitoso, porque era uma ataque traiçoeiro.

HB: Sim, exacto. Ou seja, a ideia é transformar a prática sempre num crescimento interior. Quanto mais prática, mais crescimento, mais somos polidos. E, depois, no ferver do treino, e por ser no ferver do treino, vêem-se essas “limalhas” que têm que ser polidas. E é aí que vamos afinando a nossa maneira de ser.



OC: Achas que o Kendo é popular em Portugal, ou ainda é uma actividade muito desconhecida?


HB: Ainda é desconhecido. Muito pela parte filosófica e penso que tem a ver com o que falámos há pouco. A nossa sociedade está mais preparada para ter desportos de combate e para ter medalhas e para ter sempre um objectivo. Este tipo de artes são uma coisa infinita. É uma coisa para mais do que uma vida...quero acreditar nisso. E então, se calhar, não torna tão popular este tipo de artes.


JI: É uma actividade cara?


HB: De início, sim. É necessária a compra de algum equipamento, o keiko-gi, a parte de cima; o hakama, que é uma espécie de saia. Esta é a primeira fase da compra que um praticante tem que ter. E depois o resto, há várias formas...dentro da associação, pode-se pagar uma mensalidade e ter a armadura, o que liberta um bocadinho os custos.



JI: Como referiste há pouco, há uma noção de processo em tudo o que envolve o Kendo, até por se tratar de uma arte. O momento em que se equipam parece, também, ter o seu próprio processo. Confirmas?

HB: É, é isso. Esse processo, é mesmo um processo de meditação, de interiorização. Tanto no início do treino, como no final. E todo o equipamento é honrado. Tem de de ser bem tratado, porque é com aquilo que vamos treinar e é com aquilo que vamos dar ao outro a prática que estamos a ter. E realmente existe um processo de interiorização, o mokuso, um momento em que se faz uma meditação, para a prática que vai seguir e quando terminamos existe uma meditação para terminar e socializarmos outra vez, como comuns seres-humanos.



JI: Descreve-nos o equipamento utilizado.


HB: Na prática de treino, de contacto, usa-se uma arma chamada shinai. Depois existe uma arma chamada bokken, que se usa no Kendo Kata. O Kata são sequências já pré-definidas, entre dois parceiros. Existe um teatro, uma encenação, entre professor e aluno. O aluno provoca o professor e o professor corrige o aluno, sem o matar. Sem haver cortes, exactamente por ser um do, um caminho filosófico.


Depois, ao nível da armadura, temos a parte de cima, que se chama men (que é o que protege a cabeça), os kote (o que protege as mãos, os pés e os pulsos), o do (que protege o dorso) e o tare (que protege as partes baixas, no caso de alguma coisa correr mal, porque não há ataques para aí).


Também há uma coisa interessante, que é o tenugui, um lenço que se põe depois da meditação. Esse lenço, tem uma parte muito espiritual, está ligado entre nós e a armadura, por isso faz ponte entre a nossa evolução e a armadura. Existe um grande respeito pelo tenogui.


O professor Henrique Brito dá aulas de Kendo no Grupo Recreativo Gonçalvinhense, no Quintal (Mafra), às terças e quintas-feiras, entre as 19h30 e as 21h e convida todos a praticar esta arte marcial “muito dinâmica, muito “cardio”, que faz muito bem à saúde e ao espírito.”



(Texto e fotografia: José Imaginário)

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António Procópio: a desenhar é que a gente se entende


No dia 9 de Julho, para além do concerto dos Mazéi, tivemos também a inauguração da exposição de diários gráficos do António Procópio.

Desenho original - 1º encontro Diário Gráfico AEI
Aceitou o convite para conversar connosco. Faz parte do grupo de amigos do Arte Estúdio Imaginário e falámos sobre a sua exposição, mas também sobre o conceito do desenho urbano.


José Imaginário (JI): Fazes parte do grupo Urban Sketchers. Quero que me digas o que são os Urban Sketchers, o que é o Urban Sketching ou desenho urbano.


António Procópio (AP): Os Urban Sketchers foram criados por um senhor que se chama Gabi Campanário, que vive nos Estados Unidos. O Urban Sketching está difundido pelo mundo inteiro e, em Portugal, na minha opinião, difundiu-se de uma forma muito interessante – em todas as regiões do país há um urban sketcher.


O movimento tem um manifesto e esse manifesto diz, de uma forma geral, que desenhamos no caderno, no sítio, no lugar, e representamos nesse caderno a nossa vida, o que vamos encontrando. É um registo diário do que nos rodeia.


O que me trouxe para o urban sketching foi a forma despreocupada de desenhar, sem estar muito preso a técnicas, apenas estamos ligados à ideia do desenho, à ideia de viajar, de representar, mas de uma forma muito espontânea.


JI: Tens experiência na área do desenho, és professor de Educação Virtual.  Mas como é que chegaste ao Urban Sketching?


 AP: Foram uma série de coincidências. Tenho aqui um caderno de 2012 (António exibe um caderno preto), o meu primeiro diário gráfico. Eu sempre gostei muito de desenhar... ou melhor, tinha esta vontade muito grande de desenhar. Mas ao mesmo tempo vivia numa constante angústia, lia os livros todos, “aprenda a desenhar com”...e fazia as técnicas que eles lá demonstravam, mas o resultado era muito frustrante. E não sentia prazer nenhum nessas tentativas que ia fazendo.


Um dia, em 2012, descubro um diário gráfico já antigo e começo a tentar esboçar, no caderno...mas de uma forma muito contida. [n.d.r. o diário gráfico em questão, era já uma tentativa anterior do António de iniciar esta actividade].
  
[Um dia], em Aveiro, [estava] a desenhar numa esplanada e comecei a pensar que isto do diário gráfico era interessante, tinha que começar a desenvolver mais esta ideia de desenhar todos os dias. E quando regressei a casa, comecei a pesquisar na internet [sobre o que é] o diário gráfico e descobri o Eduardo Salavisa, um dos grandes percursores do desenho em caderno, em Portugal.

A partir daí, descobri também o grupo Urban Sketchers. E descobri, para minha grande infelicidade, que tinha existido um encontro internacional em Lisboa e que eu o tinha perdido. Tinham estado todas as pessoas ligadas a esta forma de estar na vida...e eu tinha perdido.
 
 Foi já em Outubro que contactei os Urban Sketchers para entrar no grupo, era o Mário Linhares membro da direcção. Recebi nesse dia, por email, uma resposta fantástica: “És bem vindo, mas não tens que fazer nada para entrares no grupo. Basta apareceres. No próximo fim de semana vamos estar na Av. De Roma” (Lisboa).
 
Nesse Sábado fui ter com eles. Apareceram “uma boa” centena de pessoas, vindas de vários sítios e reencontrei pessoas que vinham da minha terra natal, Vila Viçosa. Nomeadamente o Vicente Sardinha, que é também um dos grandes Urban Sketchers deste país.


Nesse dia, desenhei muito contido, cheio de receio, a admirar profundamente os desenhos que ia encontrando. Vamos desenhando em vários sítios, na rua, sentados, de pé. No final, porque no final temos o hábito de partilhar os desenhos, olhar o desenhos uns dos outros e falar sobre as dificuldades sentidas, tive muitos elogios e percebi que o desenho pode ser bonito ou feio dependendo da maneira como nós o vemos.

Percebi também, que esta ideia pré-concebida que eu tinha de que o desenho tem que ser bem feito não fazia sentido nenhum. Que o importante é o processo e não o resultado final. Eliminei o erro. Uma das grandes mais valias deste conceito é esse: não é importante o resultado final, é importante o que recebes quando estás a desenhar. A partir daí tornei-me assíduo nos encontros.


JI: Já desenhaste hoje?


AP: Claro! Às vezes parece que desenho primeiro e tomo o pequeno-almoço depois.


JI: Que diferenças observas no teu desenho em 2012, no início, para o teu estilo actualmente?


AP: No primeiro desenho estava demasiado focado no resultado final e como estava demasiado preocupado, olhava mais para o papel e para o que estava a fazer, acabando por observar menos. Então o traço é tremido, contido, estava com receio de me enganar...é o desenho do qual me recordo principalmente de por a mão por cima sempre que passava alguém. Foi um desenho interrompido, porque não o queria mostrar a ninguém. Agora, não tenho receio de mostrar, porque não é importante.


JI: Tens temas preferidos quando desenhas?


AP: Normalmente vou desenhando o que encontro. Agora vivo em Mafra, desenho mais coisas desta região. Desenho o que vou encontrando pelo caminho. Mas, de facto, há coisas que me chamam mais a atenção. Gosto muito de desenhar casas, principalmente se sentir que transmitem a história do lugar.

Mesmo as devolutas...gosto de imaginar as pessoas que lá viveram, que por lá passaram. As casas velhas, ou antigas, têm uma grande personalidade e gosto de as desenhar.


Também gosto de desenhar o mar. Gosto muito de desenhar pessoas que não conheço...é uma coisa, se desenhar pessoas que conheço, lá volta o receio. Isso dificulta.


Também gosto bastante das igrejas, por causa da contradição, em relação à fé e à igreja, de que me afastei. Existe ao mesmo tempo alguma coisa mística quando desenho as igrejas. Gosto de as desenhar. São por si só imponentes.


JI: No teu blog tu propuseste-te ao desafio “aprender com”. Partilha de artistas, ilustradores, urban sketchers e desenhar à sua maneira. Tu estudaste o género, mas também os diferentes estilos de diferentes artistas, certo?


AP: Certo. E foi aqui que percebi que andei muitos anos a errar. Quando eu comprava um livro sobre técnicas de desenho, eu estava preocupado com o resultado final e com a técnica. E, de repente, percebi que, para desenharmos, temos que aprender a ver.

Então, o que procuro nestes artistas todos, não é tanto a técnica, mas sim a sua forma de ver o mundo. E tenho aprendido muito com esta forma de estudo. Seria interessantíssimo eu absorver de cada uma das pessoas que eu vou conhecendo, a sua forma dever o mundo.


JI: Em Agosto de 2014, no restaurante/bar Velha Gaiteira, tiveste uma exposição com o título “Onde começa o céu”; no 2º encontro internacional de desenho de rua, existe uma inscrição num desenho em que se vê um aglomerado de casas que diz “Dar forma à forma”. Gostava que comentasses.


AP: Em relação à primeira expressão [queria dizer] o céu não tem limite, podemos voar para onde quisermos, não temos fronteiras. E a partir do momento em que eu começo a desenhar, eu inicio uma viagem sem fim. E a expressão tinha a ver com isso.

Quando eu desenho, começa o céu. Não sei para onde vou, nem estou muito preocupado onde vou chegar. Mas sei que parti e a partir desse momento, estou feliz.


Em relação ao “dar forma à forma”, tem a ver com esta maneira de desenhar, que foge um pouco da técnica da perspectiva. Quando aprendemos “perspectiva”, falamos de pontos de fuga, da linha do horizonte, das caixinhas, da forma como devemos desenhar a estrutura, para depois podemos encaixar lá dentro uma determinada forma.

O que eu descobri nestas viagens que faço quando desenho, é que se não criar essas caixinhas, eu posso começar um desenho onde quiser e acabá-lo como eu quiser. Então, nessa oficina desse encontro, o que foi proposto a esses formandos, foi que começassem numa parte da paisagem, com uma determinada forma e que depois fossem encaixando essa forma como se fosse um puzzle.


JI: Para terminar, desafio-te a convidar as pessoas a virem ver a exposição, mas também a incentivar as pessoas a pegarem num caderno e num lápis e começarem a desenhar – mesmo aqueles que dizem não ter jeito.
 
AP: Em primeiro lugar, convido todos na virem ao Arte Estúdio Imaginário, ter comigo e que desenhemos em conjunto. Uma das coisas maravilhosas do desenho é que “pega-se”. Começamos a desenhar e quem está ao lado também com fica com vontade [de desenhar].


Em segundo lugar, sugiro a quem quiser desenhar, que esqueça o resultado final, pode até pensar para si que no fim deita o desenho fora. Nesse sentido, o desenho não tem importância nenhuma. Se não tem importância, vai preocupar-se apenas com o que está a ver e preocupar-se com a sensação que tem quando desenha. Porque, para mim, o desenho é uma forma de estar na vida. Costumo dizer que quando tenho um problema, eu desenho. Ou seja, simplifico. Desenhar é simplificar.


JI: Funciona como uma terapia?


AP: Sim. E por isso é que cada vez há mais pessoas a desenhar. Acho que ninguém pode afirmar que não tem jeito para o desenho, porque o desenho não é uma questão de jeito, é uma questão de ver. Podemos ver, ou não. Mas aprender a ver, está ao alcance de todos. Por isso é que insisto tanto para que todos façam esta viagem. Quando começarem a ver, vão perceber quão maravilhoso é.


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Melli Skug: A rapariga e a floresta
 
Melli Skug

Responde pelo nome Melli Skug e é uma cantora e compositora ainda desconhecida. Natural de Lisboa, tem feito músicas para bandas-sonoras de curtas-metragens e tem a sua maquete debaixo do braço, transportando para os palcos os seus temas originais sempre que existe oportunidade de actuar.


Já no final do ano que terminou, actuou no Concelho de Mafra, na associação cultural Arte Estúdio Imaginário, e tivemos oportunidade de a entrevistar, dias antes de subir ao palco.

José Imaginário (JI) - A primeira pergunta que te faço em relação ao projecto Melli Skug é como se pronuncia o nome e qual é a [sua] origem?

Melli Skug (MS)- O nome surgiu num jantar com colegas de mestrado, na altura eu tinha começado a fazer umas músicas e estava à procura de uma definição para o projecto, um nome e falei com eles sobre isso, deram-me algumas ideias.

Um colega nosso, que é sueco, perguntou-me qual era o conceito. Disse-lhe que gosto muito da natureza  e queria que fosse uma coisa ligada a isto...uma personagem, uma rapariga que se sente confortável na natureza e que gosta de criar histórias.

Ele disse-me que floresta em sueco se escreve Skög e eu achei imensa piada à palavra e começámos a escrever na toalha de papel e a fazer desenhos...achei piada que esse fosse o segundo nome e que o primeiro fosse um nome próprio, mas como alcunha.

Portanto, eu imagino que o nome próprio seja Amélia e Melli seja uma espécie de contracção da palavra e ao mesmo tempo possa significar melody. Como se fosse Melodia da Floresta. Optei por escrever com “u”, porque o “o” com um trema seria confuso para as pessoas.
JI - Este projecto, com as tuas músicas originais, quando é que nasceu? As músicas já tinham sido criadas, ou foram criadas para este projecto?

MS - O projecto em si não existia antes das músicas formarem um conjunto. Eu sempre escrevi músicas, por graça ou  quando estava numa colónia de férias. Fazíamos sempre um hino e era sempre eu que escrevia a música, ou fazia adaptações de músicas. Sempre achei piada à parte da composição, mas nunca tive a ideia de fazer um projecto e criar um personagem.

Comecei a fazer estas músicas e surgiu a necessidade  de criar um nome ou uma identidade para este registo, que é um registo específico e provavelmente se fizer outras músicas noutro registo, vou arranjar outro nome, ter uma maneira de cantar diferente.

Nasceu [o projecto] por volta de 20I2, foi quando comecei a criar algumas músicas e quando já tinha uns seis ou sete temas, pensei que tinham uma linha bastante específica e decidi chamar a isto Melli Skug, que canta estas músicas todas e se calhar não canta outras, que já escrevi, mas que não têm muito a ver...

Tive uma fase muito Avril Lavigne, gostava muito dela e inspiramo-nos sempre nas pessoas que achamos interessantes e na altura achei fixe e comecei a fazer músicas que eram dentro desse estilo, pop roqueiro. E muitas dessas músicas nunca mais as cantei,  algumas nem me lembro como se tocam e não cabem neste projecto, porque não têm nada a ver.

JI - Isso leva-me a duas perguntas que tinha para te fazer: por um lado, no teu texto de apresentação tu dizes que a Melli Skug é uma experiência e eu pergunto-te se é importante experimentar...e qual é o limite de sonoridade dentro deste projecto, se precisarias de outro projecto para te expressares. Já percebi que sim, tu criaste aqui um universo e se tivesses outra direcção, provavelmente criarias outro projecto, é isso?

MS - Sim, gostaria. Mas também já me falaram de fazer uma abordagem electrónica e fiz uma música para a curta-metragem de um amigo meu, que na prática é uma música da Melli Skug, entra dentro dessa linha, mas em termos de produção da música e edição foi outro amigo que fez, numa lógica bastante diferente, com vários efeitos.

A Melli Skug adaptar-se-ia a este tipo de projectos mas, se calhar, se fizesse uma coisa muito electrónica, em que tivesse um papel diferente, a compor num sintetizador ou computador, se calhar criaria um projecto diferente, teria uma lógica um bocadinho diferente.

JI - Falaste na Avril Lavigne...sei que encontras referências em tudo o que vives, o que vês e ouves, mas deves ter referências musicais. Pergunto quais os que mais te influenciam.

MS - No caso da Melli Skug, eu diria que tem bastante da Regina Spektor. É uma cantora e compositora de que gosto muito. E mais ou menos na altura em que a descobri, comecei a gostar muito das músicas dela e a cantar e a ouvir bastante.

Pensando agora, foi mais ou menos nessa altura que nasceu este projecto. Acho que de certa forma foi inspirado e diria que tem afinidade com essa cantora. Também com a Kate Bush, em termos do registo sonoro, o tipo de voz...a Norah Jones, Leonard Cohan, Jeff Buckley, Cat Power.
Também gosto muito do Tigerman.

JI - Em relação a esta maquete, tiveste ajuda na gravação. Como é que funcionou o processo de gravação?

MS - As primeiras músicas que eu gravei, foram com um colega que estava a estudar realização comigo na Restart. Ele achou bastante interessante e tivemos que fazer um vídeo de apresentação para outro colega e lembro-me que foi a primeira vez que toquei uma das minhas músicas, que tinha acabado de fazer.
 Ele também tocava e gravava e convidou-me para gravar e gravei duas ou três músicas.
Comecei a mostrar a outras pessoas e um outro colega da Restart, que estava no curso de som, tinha que apresentar um projecto final de gravação, convidou-me e foi com ele que gravei a maior parte das músicas que eu tenho no Myspace e que eu apresento.

Gravei de uma forma um bocadinho mais profissional, porque em termos de qualidade estava bastante bom, para a minha experiência.

JI - Onde é que as pessoas podem ouvir as tuas músicas? Utilizas sobretudo as redes sociais para divulgar a tua música?

MS - Devia fazer isso um bocadinho mais... mas sim, estão no Myspace. Tenho uma música no Sound Cloud e também queria criar um perfil novo no Band Camp. Na página de Facebook da Melli Skug tenho um videoclip de uma música, que foi feito por colegas de um amigo que estava a estudar na Lusófona, também para um projecto final.

Também lá estão links para músicas ou fotografias de alguns concertos que dei. Um deles foi numa festa do Indie Lisboa, onde trabalhei. Foi uma experiência bastante interessante.

JI - Outubro 20I3, concerto no Music Box. Pergunto-te como é que chegaste ao palco do Music Box? Como é que isso aconteceu e sobretudo se foi uma experiência interessante e que importância é que teve.

MS - Na prática era um showcase...para artistas portugueses, bandas ou compositores que estão a começar. Podias candidatar-te, mas neste caso vieram falar comigo, porque um amigo de um amigo de um amigo de um amigo tinha gostado da minha música e propuseram-me.

Toquei umas cinco músicas, eram dois artistas, na altura foi também uma banda de metalcore, o que foi bastante interessante, tendo em conta a música que eu toco...mas foi engraçado.

Tocavas as tuas músicas, podias falar um bocadinho sobre o teu projecto e depois faziam uma entrevista e promoviam o teu projecto na página deles. E foi no Music Box, que é um spot bastante porreiro e onde já vi vários concertos e foi muito fixe passar de tocar num hostel (o primeiro sítio onde toquei para mais gente) para o palco do Music Box, foi uma experiência...bastante diferente.

JI - Foste convidada para fazer o videoclip do tema “Radio” e depois foste convidada para a curta-metragem “Os monstros somos nós” – a tua música faz parte da banda-sonora da “curta”, tens o tema “All about timing” nos créditos finais.

Como é que aconteceu. Tem alguma coisa a ver com a tua relação com o cinema?

MS - Como diz o texto de apresentação e como eu estava a dizer há bocado, para mim, a música é uma experiência global. Muitas vezes a música vai beber a livros que eu li, ou a filmes que eu vi, ou vice versa.
Aliás, os exercícios que eu fiz na faculdade e na Restart, em termos de curtas-metragens, a música sempre foi um elemento muito forte. E quando faço músicas, a parte da letra é muito importante, a parte de escrita. Há músicas em que há referências a filmes.

Mas é a tua identidade e um bocadinho as coisas que te inspiram e são importantes para ti. Está tudo relacionado.

JI - Em relação ao tema “Radio”, sei que tens uma história engraçada para contar sobre esta música, queres partilhar?

MS - Essa música é em parte sobre antigamente existir a imagem romântica de ouvir músicas na rádio e as rádio-novelas. De certa forma havia um lado de mistério, porque não vias nada e tinhas que dar mais “corda” à imaginação.

É sobre uma pessoa que conta que tem saudades de ouvir alguém na rádio, por causa desse lado mais misterioso e porque em termos de tecnologia o mp3 é um formato muito flat...o som é mais pequeno. Falta a densidade ou a textura da música em vinil, por exemplo.

JI - Vais actuar na Arte Estúdio Imaginário, quais são as tuas expectativas?

MS - Encontrar um espaço bastante acolhedor, experiênciar e partilhar um momento. Dar a conhecer algumas músicas, de forma bastante intimista, porque o estilo de música que eu faço com este projecto tem esse lado bastante intimista.

A minha expectativa é que seja um bocado bem passado e talvez contar algumas histórias, se houver tempo e estiver inspirada...e conversar com as pessoas, porque neste formato existe a possibilidade de conversar, por causa da proximidade.

JI - Para terminar, vou-te fazer a pergunta cliché: quais são os teus planos para o futuro?

MS - Gostava de investir bastante mais [neste projecto], tornar esta coisa de dar concertos numa coisa mais frequente. Terminar algumas músicas que entretanto deixei cair um bocadinho. E se calhar, com este projecto, experimentar algumas coisas novas e colaborar com outras pessoas.
Talvez gravar um [novo] EP em breve...



(Fotografia: Imagem Oficial)


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